Há três anos, no hospital da Unimed, em João Pessoa, partia Nelma Figueiredo, “uma das mais brilhantes jornalistas da Paraíba”, como escreveu, em rede social, Aldo Schueller, que foi seu marido e que compartilhou junto com ela momentos gloriosos da comunicação no Estado. Nelma tinha 53 anos de idade e um currículo invejável, de cerca de três décadas de atuação, sobretudo na televisão, onde era musa destacada. Nascida em Brasília, com raízes no sertão paraibano, foi uma mulher guerreira que lutou pelos seus espaços e que ascendeu, com méritos, na hierarquia da imprensa local. Tinha o arrojo, a intrepidez de repórter, mesmo quando alçada a papéis como os de âncora e de entrevistadora em estúdio. Faz uma falta enorme – mas viveu com paixão e intensidade a sua vocação. Atestar isto é a melhor homenagem que se lhe pode prestar.Quando despontou na televisão paraibana, Nelma Figueiredo já deixou claro que não pretendia ser apenas um rosto bonito para enfeitar noticiários. Esbanjava talento com naturalidade e a perspicácia de repórter ampliou-lhe oportunidades e janelas de conhecimento. Vivenciou um período pródigo em que jornalista que se prezava tinha que dispor de boas fontes. Nelma tinha as melhores fontes, do governador de plantão ao cidadão comum. Isto possibilitou-lhe divulgar notícias em primeira mão, acumular revelações privilegiadas e estar sempre antenada com os acontecimentos, na frente dos concorrentes – numa época, também, em que a concorrência era mais acirrada porque predominava a cultura do “furo jornalístico”, hoje em desuso pela acomodação e pela mesmice imprimidas ao universo da informação, onde todos divulgam a mesma notícia no mesmo tom, sem o diferencial do aprofundamento, sem a valorização dos bastidores, que, ao contrário do que pensam teóricos do “home office” ou dos gabinetes com ar condicionado, dão condimento e substância ao produto notícia, no dizer da renomada professora Cremilda Medina.
Aprendi nos antigos manuais de jornalismo (que guardo, todos, no arquivo) que é função do repórter perguntar, perguntar, perguntar, até que as dúvidas estejam esclarecidas para ele e, assim, possam ser assimiladas por leitores, ouvintes, telespectadores. Nem todos se esmeram nesse mister – muitos sempre se consideraram mais informados do que especialistas a quem recorriam para se informar, fosse sobre medicina, sobre economia, sobre o universo da política ou do futebol. Nelma estava sempre perguntando. Além da sede de informação, havia o compromisso de se equipar para traduzir da melhor forma possível os acontecimentos apurados na lide jornalística. Era uma profissional em tempo integral, jornalista 24 horas por dia. Por assim, respirava notícia. Acionava com frequência colegas experientes para “checar” dados, obter outros e, assim, elaborar o melhor texto informativo. Foi desta forma que se credenciou. Com disciplina, método e humildade, ou simplicidade. Estas últimas qualidades foram decisivas para a geração automática de empatia dos telespectadores com a musa do telejornalismo paraibano.
Nelma foi um dos quadros profissionais preparados com esmero pelo “mago” Erialdo Pereira (in memoriam), o grande editor de jornalismo da televisão paraibana nos seus primórdios, quando fazer televisão era um desafio, um aprendizado diário, um exercício constante de tentativa e erro. Conheci-a na TV Cabo Branco, para onde Erialdo me levou como locutor-entrevistador do Bom dia, Paraíba, e do Paraíba, Meio Dia, em bancadas que dividi com Otinaldo Lourenço e Chico Maria. Eu no estúdio, Nelma na rua, desbravando fatos, costurando relatos, produzindo notícias quentes. Estivemos juntos na transmissão, ao vivo, da primeira posse de um governador para todo o Estado – a do poeta Ronaldo Cunha Lima, em 15 de março de 1991, direto da Assembleia Legislativa. Voltamos a nos encontrar nos Diários Associados, eu no jornal O Norte, ela brilhando na TV, com a apresentação do jornalístico “O Norte.com”. Se eu fui o primeiro a mediar debates entre candidatos a governador na TV Cabo Branco, Nelma foi a primeira mulher a mediá-los na Paraíba, na TV O Norte. Isto se deu em 2002, no confronto envolvendo Cássio Cunha Lima e Roberto Paulino.
Aquele debate de 2002 foi um marco histórico para Nelma Figueiredo, conquistado com muito sacrifício, debaixo de intensa pressão, das assessorias de candidatos, que tentavam direcionar o formato do confronto. Figueiredo reagiu com altivez a todas as manobras insidiosas para tentar fazê-la abrir concessões a “A” ou a “B”. Tinha a imparcialidade como norma sagrada, como mantra da sua formação jornalística, e havia pactuado consigo mesmo que não cederia um milímetro nesse desideratum. Por assim dizer, era questão de honra. Nelma demonstrava que tinha brios e que iria se impor exatamente em virtude dessas qualidades. O resultado? Foi respeitada, cresceu na admiração até mesmo de quem tentou, inutilmente, torná-la vulnerável. Provava, sem arrogância, sem empáfia, que era mulher de fibra e que tinha uma consciência crítica enraizada que pouco(a)s da sua geração lograram exibir.
Houve outros episódios que dignificaram a trajetória de Nelma Figueiredo e que ficam guardados nos escaninhos da minha memória. Tive o privilégio de conviver de perto com ela mesmo não atuando juntos em veículo de imprensa. Éramos vizinhos, em Intermares, e ela era uma das grandes amigas da minha mulher, Bernadeth, com quem trabalhou no Detran – Nelma na assessoria de Comunicação por bastante tempo. Quando não trocava ideias comigo sobre política & jornalismo, Nelma tricotava amenidades com Bernadeth, naquela cumplicidade que somente as mulheres têm o dom ou a habilidade de tecer. Eu a tinha como amiga-musa-irmã, e foi assim que nos encontramos no dia do meu aniversário, quando ela já duelava contra complicações orgânicas. Mas queria me abraçar, como sempre fazia nas celebrações aniversárias. Irrequieta, Nelma se reinventava por vontade própria, por necessidade de crescimento. Foi assim que migrou, já no final da trajetória, da televisão para o rádio. Com a mesma maestria, o mesmo dinamismo, nos microfones do CBN Cotidiano, quando a emissora passou ao controle da Rede Paraíba de Comunicação. Ela era fenomenal, e é esta a imagem que vou guardar sempre de Nelma Figueiredo.
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