Morre Pelé, o Rei do futebol, aos 82 anos

 

Morreu nesta quinta-feira (29), aos 82 anos de idade, Edson Arantes do Nascimento, o eterno rei Pelé. Ele tinha câncer no cólon e estava internado desde novembro no Hospital Israelita Albert Einstein, após dar entrada com anasarca (inchaço generalizado) e síndrome edemigêmica. Nos últimos dias, os boletins médicos revelavam uma progressão da doença, ou seja, o avanço dela, o que acabou culminando na morte do gênio do futebol.

A família ainda não divulgou detalhes sobre o velório, mas uma estrutura foi montada na Vila Belmiro nos últimos dias para receber a vigília. O sepultamento ocorrerá em Santos.

Pelé passou por uma cirurgia no local em setembro de 2021 e desde então vinha sendo submetido a repetidas sessões de quimioterapia. No início de 2022, foram detectadas metástases no intestino, no pulmão e no fígado.

Pelé deixa sete filhos e a esposa Márcia Aoki, com quem estava casado desde 2016. Do primeiro casamento, com Rosemeri Cholbi, nasceram Kelly Cristina, Edinho e Jennifer. O ex-jogador também é pai dos gêmeos Joshua e Celeste, de seu relacionamento com a psicóloga Assíria Lemos. Além desses, Pelé teve duas filhas fora do casamento: Sandra Regina, que só obteve o reconhecimento da paternidade pela Justiça, morta em 2006, e Flávia.

A vida do rei pobre

Edson Arantes do Nascimento nasceu em 23 de outubro de 1940 em Três Corações, Minas Gerais. Filho do jogador João Ramos do Nascimento, mais conhecido como Dondinho, e Celeste Arantes, Pelé foi o mais velho de dois irmãos e recebeu seu primeiro nome em homenagem ao inventor estadunidense Thomas Edison, de quem Dondinho era fã.

Seus pais decidiram remover o “i” e chamaram-no de “Edson”, mas houve um erro na certidão de nascimento, levando muitos documentos a mostrar seu nome como “Edison”, não “Edson”, como é chamado. Ele foi originalmente apelidado de “Dico” por sua família, mas acabou ficando conhecido por “Pelé” durante seu tempo de escola por conta da forma que pronunciava o nome de seu jogador favorito, o goleiro Bilé do Vasco da Gama de São Lourenço, time inspirado no homônimo carioca, o qual falava de forma equivocada.

Contam que Pelé não gostava do apelido, e chegou a brigar com o colega de sala que inicialmente lhe atribuíra a alcunha. Em sua autobiografia, Pelé afirmou que não tinha ideia do que o nome significava, nem seus velhos amigos. Além da afirmação de que o nome é derivado de Bilé, e que significa “milagre” em hebreu, a palavra não tem nenhum significado em português.

Pelé cresceu na pobreza, em Bauru, no estado de São Paulo. Ele ganhava dinheiro extra trabalhando em lojas de chá. Ensinado a jogar futebol pelo seu pai, não tinha dinheiro para comprar uma bola de futebol adequada, e geralmente jogava com uma meia recheada com jornal e amarrada com uma corda.

Pelé é carregado nos braços durante a comemoração do Tri em 1970 — Foto: Alessandro Sabattini/Getty Images

Como tudo começou no esporte

A primeira equipe de Pelé foi o Sete de Setembro, equipe que jogava na terra batida, batizada em referência à rua que fazia esquina com a casa de Pelé. Do Sete de Setembro Pelé foi para o Ameriquinha, onde calçou chuteiras pela primeira vez, e foi campeão do Torneio Início local. Com 13 anos, Pelé começou a jogar pelo “Baquinho”, equipe infantojuvenil do Bauru Atlético Clube, que conquistou dois campeonatos infantojuvenis. Pelé era o caçula da equipe. O time do Bauru apresentava uma grande superioridade sobre seus adversários: num dos jogos, chegou a ganhar de 21-0, com Pelé sendo um dos artilheiros, com sete gols.

Em 1956, Brito levou Pelé para a cidade de Santos para experimentar jogar para o time profissional Santos Futebol Clube, dizendo à administração do Santos que o jovem de quinze anos seria “o maior jogador de futebol do mundo”. Pelé impressionou o treinador do Santos, Luís Alonso Pérez (Lula) no Estádio Urbano Caldeira, e assinou um contrato profissional com o clube em junho de 1956. Pelo contrato, Pelé recebia um salário de seis mil cruzeiros, valor que enviava para sua mãe.

 Pelé inicialmente atuou na equipe amadora do Santos, marcando 13 gols em 13 jogos. Ele fez a sua estreia profissional em 7 de setembro de 1956, com quinze anos, contra o Corinthians de Santo André e teve um bom desempenho em uma vitória de 7 a 1, marcando o primeiro gol de sua carreira profissional durante a partida. Zaluar, goleiro do Corinthians, mandou fazer um cartão de apresentação após se aposentar e começar a trabalhar como corretor, no qual se identificava como “goleiro do primeiro gol de Pelé”.

Como nasceu a alcunha de rei

Em 1958, o primeiro torneio oficial disputado pelo Santos foi o Torneio Rio-São Paulo de 1958, no qual a equipe ficou apenas na 7ª posição. Pelé foi o artilheiro da equipe, junto com Pepe, com oito gols. Nesse torneio, Pelé teve atuação destacada em partida contra o America, o que lhe rendeu a alcunha de “Rei”, que levaria para o resto da carreira. O confronto foi vencido pelo Santos por 5-3, com quatro gols marcados por Pelé.

A atuação do jogador impressionou o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, que se encontrava no Maracanã assistindo o jogo. Rodrigues escreveu uma crônica em homenagem a Pelé, chamada “A realeza de Pelé“. Nela, o dramaturgo escreveu que “Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável — a de se sentir rei, da cabeça aos pés”. Se referindo ainda ao complexo de vira-lata e a Copa do Mundo de 1958, que viria a se realizar nos meses seguintes na Suécia, Nelson Rodrigues afirma: “Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós”.

Nesse ano Pelé conquistaria seu primeiro grande título com o Santos, com a conquista do Campeonato Paulista. Pelé iria terminar o torneio como artilheiro da competição com 58 gols, um recorde que permanece até hoje. Ele calcula que tenha jogado mais de cem partidas naquele ano, entre Santos, seleção brasileira e o time do Exército. Pelé marcou 80 gols em 1958, chegando ao seu 100º gol durante o Campeonato Paulista. Suas atuações nesse ano lhe renderam o interesse da italiana Inter de Milão, que tentou contratá-lo; o negócio acabou não avançando em razão da revolta dos torcedores com a possível saída do jogador.

Milésimo gol

No final de 1969, Pelé se aproximou de seu milésimo gol, criando grande expectativa no país. A situação foi ironizada pelo cartunista Henfil, em charge na qual um repórter anuncia ao público, após um espirro de Pelé, que “agora faltam só dois para o milésimo espirro de Pelé!”. No início de novembro, Pelé já tinha marcado 996 gols, e as duas próximas partidas seriam clássicos contra o Corinthians e o São Paulo. A partida contra o primeiro em particular gerou imensa expectativa, já que o Corinthians era o time no qual Pelé mais tinha marcado. Não há números oficiais sobre o público, que foi estimado em 65 mil pessoas. Pelé não marcou contra o Corinthians, tampouco contra o São Paulo. Na partida seguinte, contra o Santa Cruz, Pelé marcou dois gols.

O próximo confronto da equipe foi um amistoso contra o Botafogo da Paraíba. Os jogadores dos Santos temiam que o time local “arrumasse” dois gols para Pelé, para que o estádio da capital paraibana entrasse na história. Pelé chegou a se recusar a bater um pênalti durante a partida, mas acabou sendo convencido pelos companheiros. Pelé converteu o pênalti, chegando ao gol de número 999 na carreira. Logo depois de seu gol, o goleiro do Santos se lesionou, e a equipe já tinha feito todas as substituições possíveis; desse modo, para evitar que Pelé marcasse o milésimo naquela partida, o jogador foi escolhido para atuar como goleiro. O goleiro santista, Jair Estevão, mais tarde admitiria que sua contusão fora forjada para evitar que Pelé marcasse o milésimo.

A partida seguinte era contra o Bahia, na Fonte Nova. Antes do confronto, Pelé declarou que gostaria muito de chegar ao milésimo em Salvador. Uma grande festa foi programada para a ocasião, com trio elétrico e dançarinas de axé; o árbitro da partida, Arnaldo Cezar Coelho, teve que ir para a capital baiana um dia antes do confronto, para participar do ensaio para a festa. Durante a partida, Pelé driblou o goleiro e arrematou para o gol, mas a bola foi tirada em cima da linha pelo zagueiro Nildo, que foi vaiado pela torcida de acordo com algumas fontes e mostrado no filme Pelé Eterno, porém aplaudido de acordo com outras fontes; o jogador também foi repreendido pelo presidente do Bahia. Nildo acabaria ficando conhecido como “o zagueiro que evitou o milésimo”; segundo o jogador, “Deus me ajudou a tirar aquela bola”, afirmando ainda que “faria tudo novamente”.

O milésimo gol veio em 19 de novembro de 1969, em uma partida contra o Vasco da Gama, quando Pelé marcou a partir de um pênalti, no Estádio do Maracanã. O goleiro vascaíno, o argentino Andrada, teve atuação destacada, evitando um gol de Pelé no primeiro tempo, em defesa classificada como “colossal” pelo Jornal dos Sports.

Segundo Pelé, os jogadores vascaínos tentavam irritá-lo, dando tapas em sua cabeça e afirmando:

 “Não vai ser hoje, Crioulo”. 

Nas palavras do ex-jogador, “fizeram tudo o que podiam para me impedir de marcar”. No segundo tempo, Pelé avançou com a bola pela área vascaína, e se chocou com o zagueiro Fernando Silva, resultando em um pênalti a favor do Santos. Fernando Silva passou o resto da vida negando que houve falta no lance; segundo o jogador, foi Pelé que se chocou contra sua perna, classificando ainda o ocorrido como uma “lambança” do juiz, e sugerindo que este poderia ter “facilitado” para que Pelé fizesse o milésimo gol naquela partida.

Marcado o pênalti, o nome de Pelé passou a ser gritado no Maracanã, até mesmo pela torcida vascaína. Pelé chutou no canto esquerdo de Andrada, que chegou a tocar na bola, mas não conseguiu evitar o gol. Ao cair e perceber que a bola tinha entrado, Andrada socou a grama, enquanto Pelé comemorava o gol, em imagem considerada histórica. Andrada permaneceu no chão por mais um tempo, e só levantou ao ser erguido por um companheiro. O goleiro no dia anterior tinha manifestado o desejado de evitar o gol número mil; anos mais tarde, afirmou sobre o evento que “o gol veio e em pouco tempo você vai se acostumando e você acaba o adotando como um filho”.

G1

Postar um comentário

0 Comentários